A ideia de poder viajar o mundo sem se preocupar com a obtenção de vistos, documentações e trâmites burocráticos seduz quase todo mundo que pensa em sair de férias. Para isso, basta saber se o passaporte de seu país é “poderoso”. Conceito criado em 2006 pela consultoria de residência e cidadania global Henley & Partners, que faz a medição da liberdade de viagem desfrutada pelo passaporte comum de cada nacionalidade, o passaporte de um país é considerado poderoso quanto mais países o aceitarem. Por isso, o ranking do Índice de Restrições de Vistos foi criado para mostrar o “poder” dos passaportes e, nele, o Brasil aparece bem posicionado. Mas o que faz um país ter um passaporte poderoso? Que consequências isso traz?
Luciana Morilas – Foto: Habeas Data/FEA-RP USP
“Para os residentes de uma nação, estar em uma posição vantajosa no ranking de passaportes poderosos significa uma redução de preocupações, uma liberdade convidativa em viagens e uma melhoria na mobilidade geral dos cidadãos,” comenta Luciana Romano Morilas, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP. “Já para o País, figurar em uma boa posição, num bom ranking de passaportes poderosos, traduz um fortalecimento das relações internacionais para com o Brasil, seja no viés moral, ético e turístico para os cidadãos, ou no mundo empresarial e dos negócios”, afirma Luciana.
A professora ainda conclui que, a aderência ao direito internacional e suas respectivas normas a um sumário de compromissos cria respeitabilidade e credibilidade a um país. Assim, para configurar um passaporte poderoso, entre os diversos precedentes que devem ser checados, “uma relação de tolerância e cordialidade no cenário da geopolítica global, no mundo atual, é essencial para um ranking positivo”.
Já o professor Umberto Celli, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, especialista em Direito Internacional, enfoca a nação. “Além da relação básica entre os países, a situação interna do país tem que ser levada em consideração, como os indicadores econômicos, aqueles relacionados ao crescimento e desenvolvimento, tais como o PIB e os dados do comércio exterior. Os componentes sociais, como, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o PIB per capita também devem ser ponderados para garantir um destaque na lista”, analisa.
Os últimos colocados no ranking também possuem algumas características em comum, seja ela a falta de um regime democrático, como é o caso da Coreia do Norte, Síria, Somália e Afeganistão, guerras prolongadas e instabilidades políticas graves, como é o caso do Iêmen, Síria e Iraque, ou até mesmo a falta de políticas de sustentabilidade, equidade de gênero e programas de assistências públicas, como é o caso do Sudão, Irã e Kosovo.
Os dados explicitados pelo ranking, diz o professor, evidenciam a importância da estabilidade política, da redução da violência e a necessidade de um Estado democrático de direito, no qual as liberdades são preservadas. “O respeito ao meio ambiente e a adoção de práticas sustentáveis são fatores determinantes para um bom posicionamento no ranking, pois demonstram o compromisso do país com o desenvolvimento sustentável.”
Comparando o ano de 2006 com o atual de 2023, uma mudança significativa ocorreu no topo do ranking de países com passaportes poderosos. Naquele ano, a Dinamarca, Finlândia e os Estados Unidos ocupavam as três primeiras posições, enquanto agora o pódio pertence aos Novos Tigres Asiáticos, Japão, Singapura e Coreia do Sul.
Brasil no ranking
O passaporte brasileiro é considerado um dos mais poderosos do mundo, permitindo o acesso a 170 países sem a necessidade de visto prévio. De acordo com o ranking, o Brasil ocupa o 21º lugar, empatado com San Marino, pequeno país incrustado na Itália. A ascensão do Brasil neste ranking não durou muito. Neste último ano houve uma queda de duas posições em relação a 2022. O professor Celli relaciona esta queda ao aumento do processo de migração, “estamos vivendo em um momento de deterioração social do Brasil. A desigualdade social é crescente e as condições de vida são cada vez mais difíceis, corroborando para um aumento do movimento migratório. As estatísticas mostram um aumento de brasileiros vivendo no exterior, seja de maneira legal ou ilegal,” analisa.
Para ele, esse movimento se deu por precárias condições sociais, falta de oportunidades, baixo crescimento econômico, aumento da violência e da instabilidade política. “São brasileiros em busca de melhores oportunidades e melhores condições de vida. Assim, a exigência de um visto e processos burocráticos mais rigorosos para cidadãos brasileiros viajarem são um reflexo da preocupação de outros países com a imigração ilegal, o que contribui para a queda do Brasil neste ranking”, afirma. A posição atual do Brasil no ranking é a mesma registrada em 2016, quando o País passou por um período de grande instabilidade política em decorrência do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Política de Reciprocidade
A fim de garantir que os brasileiros não sejam prejudicados no que tange à entrada em territórios estrangeiros, o Brasil adotou uma política de reciprocidade. Essa política estabelece que os países que exigem visto para cidadãos brasileiros também estarão sujeitos à mesma exigência por parte do Brasil. Dessa forma, busca-se assegurar uma relação de igualdade entre os países e promover a justiça no acesso a oportunidades no âmbito internacional.
“Se um país, como os Estados Unidos, por exemplo, exigir visto para a entrada dos cidadãos brasileiros, o Brasil exigirá visto para o cidadão norte-americano, mesmo que o passaporte dos EUA seja mais poderoso do que o passaporte brasileiro. Essa tem sido a política tradicional e clássica no Brasil. E com isso é evidente que, se houver flexibilização por parte do país em termos de maior aceitação do passaporte brasileiro, essa flexibilização ocorrerá aqui também, o que ressalta a importância de se estabelecerem políticas migratórias mais justas e equitativas”, explica o professor Celli.
A professora Luciana completa a fala de Celli com um exemplo recente. “O México voltou a exigir que brasileiros apresentem o visto para entrarem, mesmo com a finalidade turística, e isso aconteceu para frear a migração ilegal aos Estados Unidos. A intenção do México é desestimular a ida de brasileiros que tentam migrar para os Estados Unidos. Em busca da reciprocidade, o Brasil passou a cobrar vistos para os mexicanos que desejam vir ao País.”
Ter uma classificação positiva no ranking de passaportes poderosos é uma vantagem e diz muito sobre as relações internas e externas de uma nação. Nas palavras do professor Celli, “ter um passaporte poderoso reverte em benefício para o cidadão e o país”.