Experiências

Segredos do Paço Ducal nos 90 anos da Fundação Casa de Bragança 

Vila Viçosa, 29/03/2023 - Sala dos duques no Paço Ducal de Vila Viçosa. Este edificio alberga a Casa Museu e biblioteca consagrados à dinastia de Bragança a última que reinou em Portugal. A Fundação Casa de Bragança foi criada por desejo expresso no testamento do último rei português D. Manuel II. (Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

De bonés na cabeça, os alunos procuram abrigo junto à estátua equestre de D. João IV que domina a enorme praça frente ao Paço Ducal de Vila Viçosa. O calor da primavera alentejana já se faz sentir apesar de ainda nem serem 10.00 mas os jovens estudantes mal contêm o entusiasmo por ir ver a residência da família que deu nome à última dinastia de reis de Portugal. No ano em que a Fundação Casa de Bragança, estabelecida de acordo com as últimas vontades de D. Manuel II, celebra o 90.º aniversário, também o DN visitou o Paço Ducal para uma visita através dos seus segredos.

Maria de Jesus Monge é a nossa guia. A diretora do Museu-Biblioteca da Casa de Bragança começa por nos explicar que a Fundação é a “herdeira do património da Casa de Bragança e isso resulta da vontade expressa em testamento pelo rei D. Manuel II”, que morreu no exílio em Londres em 1932, 22 anos após a abolição da monarquia e quando tinha apenas 40. Cabe então ao Estado português, com as herdeiras, a mãe, D. Amélia, e a mulher, D. Augusta Vitória, dar forma ao testamento escrito em 1915 em que o antigo monarca – que não teve filhos – desejava deixar “ao povo português” o seu património artístico e cultural pessoal.

Para Maria de Jesus Monge, tal decisão deveu-se a uma “forma já muito britânica” de pensar de D. Manuel II, que fez desta a primeira Fundação em Portugal. Sem qualquer herdeiro masculino – o irmão mais velho fora assassinado com o pai, o rei D. Carlos, em 1908, e o único tio morreu antes dele – , D. Manuel II empenha-se em, em tempos de república, deixar aos portugueses o património da Casa de Bragança, que remonta ao século XV.

Deixamos então a zona da biblioteca do museu onde aguardámos que os jovens alunos começassem a sua visita e seguimos nós também para o corpo do Paço Ducal – apenas uma parte do património gerido pela Fundação, a que se junta também a Igreja dos Agostinho, a igreja e convento das Chagas, o paço do Bispo e cinco castelos: Vila Viçosa, Alter do Chão, Alvito, Portel e Ourém. Pelo caminho, Maria de Jesus Monge vai explicando que a Fundação é totalmente privada, dependendo dos recursos vindos do património agrícola. E que se ali se encontra um dos maiores arquivos privados do país, há coisas que pareceriam óbvias mas que a Fundação não tem. A começar pela correspondência privada de D. Manuel II. Tudo porque esta foi considerada de interesse público por ser sensível politicamente.

Numa das primeiras salas, Maria de Jesus Monge foca a sua atenção num retrato do rei D. Carlos. Artista, naturalista, D. Carlos foi também “um homem apaixonado pelo Alentejo, pelo campo. Ainda em príncipe foi um dos duques de Bragança que mais usufruiu do seu património”. E vai explicando que sendo este um palácio quinhentista, há “uma separação quase simétrica entre as duas alas, que correspondem aos espaços masculinos e aos espaços femininos, não havia misturas.” Sempre intercalados com espaços religiosos – “o dia começava sempre com missa na capela”.

Fechado durante mais de duas décadas, entre 1910 e o momento de pôr em prática o testamento de D. Manuel II, o palácio precisava então de grande obras: “Arranjar telhados, portas, janelas, tudo o que uma casa precisa no quotidiano”. O espaço teve também de ser adaptado à sua nova função, deixando de ser uma residência familiar. E a ideia, explica Maria de Jesus Monge, foi devolver o palácio ao seu momento áureo. “Por isso o que temos aqui não é um palácio do século XIX, mas sim do século XVII”. E as visitas começaram logo? “Estes espaços sempre foram visitados. Quando a família não estava, podiam ser visitados. Um pouco como acontece hoje em Inglaterra”. Claro que “Vila Viçosa ficava no fim do mundo, não havia propriamente filas à porta”. E hoje o isolamento ainda é um desafio. Mesmo se o auto-estrada colocou a vila a pouco mais de duas horas de Lisboa, o comboio que levou D. Carlos de regresso à capital naquele 1 de fevereiro de 1908 em que seria assassinado já aqui não chega. “Vila Viçosa tem neste momento uma dificuldade de acesso imensa. Por exemplo, o autocarro que vem de Lisboa chega aqui ao meio-dia e parte às 16.00″, lamenta Maria de Jesus Monge. E recorda que se se quer mesmo pôr Vila Viçosa no mapa e apostar na candidatura a Património da Humanidade, uma das coisas que falta é resolver o problema da circulação.”

Pouco “cozy“, para usar a palavra inglesa que Maria de Jesus Monge escolheu para descrever o ambiente menos acolhedor, o Paço Ducal era usado pelos Bragança sobretudo no Inverno, ou não fossem os duques amantes da caça. Mas aqui, ainda hoje “no inverno trabalha-se de casaco e luvas” e no verão só não é mais quente graças às paredes grossas. “O rei D. Carlos vinha cá praticamente todos os meses. A arma de Cavalaria nasce aqui. Interessou-se muitíssimo pela agricultura e pela modernização dos fatores de produção. Que eram uma das suas principais fontes de rendimento. Ele tinha imensas razões para vir cá. E quando não tinha, inventava.”, ri-se a diretora do Museu-Biblioteca da Casa de Bragança. E acrescenta: “uma das razões invocadas para a queda da monarquia foi a alegação de que eram gastas verbas exorbitantes na manutenção da Casa Real. Mas a Casa Real portuguesa era paupérrima. Porque a dotação da família não tinha sido alterada desde o tempo de D. Maria II. E era muito reduzida para manter todas estas casas e pessoal ao serviço da Casa Real.”

Em 1640, com a Restauração da Independência e a ascensão ao trono de D. João IV, o palácio passa de residência de família a residência real. A partir de então, o ducado de Bragança passa sempre para o filho mais velho, continua Maria de Jesus Monge, o que tinha a vantagem de lhe garantir recursos e não o deixar dependente dos cofres do Estado. E se a sala grande tem os retratos de todos os duques encomendados por D. João V e que terminam no príncipe D. José, na sala onde nos encontramos temos a coleção encomendada por D. Carlos para concluir a galeria. Aqui o primeiro retrato é de D. Maria I “um pouco efabulada”, ou não tivesse o artista improvisado perante a escassez de retratos da rainha. “E temos Columbano que nos deixou um D. João VI quase marialva”, prossegue Maria de Jesus Monge, apontando depois para o retrato de D. Pedro IV “romântico”. Num salto temporal, Maria de Jesus Monge passa para D. Carlos, aqui retratado pelo seu amigo Carlos Reis enquanto o príncipe D. Luís Filipe é pintado por Malhoa, “que já o tinha retratado em criança” numa pintura que se encontra noutra zona do palácio onde passamos mais tarde.

Seguindo pelo corredor, Maria de Jesus Monge volta ao nascimento do museu aqui no Paço Ducal. Na altura, conta, Salazar manda fazer uma avaliação para saber quanto custariam as obras e considera o valor exorbitante para o Estado português. Percebe então que é melhor apressar as coisas na Fundação. Quando esta é criada em 1933, D. Manuel II tinha definido muito bem o que pretendia. Mas ao estabelecer que o usufruto do seu património continuava com os herdeiros, retirou quase todas as fontes de receita à fundação quando esta nasce. Tem então de ser feito um segundo decreto-lei que dota a fundação de um órgão de gestão e que resolve o problema do usufruto através da compra – contraindo uma dívida junto da Caixa Geral de Depósitos de que o Estado se faz fiador.

No quarto onde o rei D. Carlos passou a última noite antes de ser assassinado ainda se veem alguns dos
No quarto onde o rei D. Carlos passou a última noite antes de ser assassinado ainda se veem alguns dos seus uniformes.© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Com a sua centena de divisões, o Paço Ducal de Vila Viçosa era mais pequeno do que palácios seus contemporâneos como Versalhes, o que se explica por ser usado pela família real, mas a corte nunca ter vivido aqui. Foi D. Carlos quem passou a dar um uso mais regular à casa da família, tendo sido feitas algumas obras, como a escada nova que facilitou o acesso ao piso superior, de forma a acomodar a sua comitiva – chefe do Estado-maior, oficial à ordens, médico, etc. “Ainda hoje é lá em cima que temos as nossas reservas, porque Vila Viçosa é mármore e aqui não há caves”.

Voltando à atualidade, o que o visitante encontra ainda hoje em muitas das salas do Paço Ducal é um ambiente do século XVII, com móveis em madeiras vindas de África ou do Brasil, a faiança azul e branca inspirada na vinda da China e “este depuramento, esta austeridade considerada característica daquela época.”

A escolha deste local para construir o palácio dos Braganças pode parecer estranha agora, mas tem os seus motivos. A começar pelo facto de esta ser uma zona com acesso a água em abundância, o que permitia manter os jardins na sua vertente de lazer, mas também com árvores de fruto, laranjeiras, limoeiros, que tinham por função alimentar família e empregados.

Chegados à grande sala de aparato, Maria de Jesus Monge vai explicando que terá sido “aqui que se realizaram as maiores cerimónias, receções, etc. do palácio”. Este foi construído quando D. Jaime, quarto duque de Bragança, voltou do exílio em Castela e decidiu que o castelo de Vila Viçosa “não tinha condições de habitabilidade”. Estávamos em 1501 e já não havia necessidade de viver num local amuralhado. “O filho, D. Teodósio, era um príncipe do Renascimento, com ideias modernas e manda fazer esta fachada” – com 110 metros e toda revestida a mármore da região.

Criada pelo rei D. João I e por D. Nuno Álvares Pereira, a Casa de Bragança tem em D. Afonso, filho ilegítimo do Mestre de Avis, o primeiro duque, casado com D. Beatriz, filha do Santo Condestável. O título é-lhe atribuído em 1442 pelo meio-irmão, o rei D. Duarte. Mas em 1483, D. João II manda decapitar D. Fernando II, o terceiro duque de Bragança e seu arqui-rival. Tendo assistido à morte do pai em Évora, D. Jaime foge com a família para Castela, onde passa a adolescência, só voltando a Portugal quando o rei D. Manuel I os perdoa e lhes devolve o título e todo o património. Mas a rivalidade entre a Casa de Avis e a Casa de Bragança não desaparece e para tentar reaver alguns dos bens devolvidos, o rei D. João III decide casar a filha de D. Jaime, D. Isabel, irmã do então duque D. Teodósio, com D. Duarte de Portugal, filho de D. Manuel I. “É assim, por esse casamento, que mais tarde os Bragança vão chegar ao trono”, recorda Maria de Jesus Monge.

Segredos do Paço Ducal nos 90 anos da Fundação Casa de Bragança 
© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

D. Jaime e D. Teodósio são, claro, dois dos duques de Bragança cujos retratos, em caixotões, enfeitam o teto da sala e que foram encomendados por D. João V a um pintor italiano no século XVIII. D. Jaime surge retratado junto aos barcos com que desembarcou em Azamor, no norte de Marrocos, D. Teodósio também com embarcações, apesar de nunca ter navegado, “a não ser para atravessar o Tejo quando ia a Lisboa”, brinca a diretora do Museu-Biblioteca da Casa de Bragança. Mas comecemos pelo início: o primeiro retrato é do primeiro duque, D. Afonso e da mulher, D. Beatriz. “É o único casal, mas tinha de ser”, explica Maria de Jesus Monge, lembrando que é o dote dela, oferecido pelo pai, D. Nuno Álvares Pereira, que garantiu a existência da casa de Bragança. Segue-se D. Fernando I, D. Fernando II, D. Jaime, D. Teodósio, D. João – “o tal que casou com a prima e por via do qual os Bragança chegam ao trono” -, D. Teodósio II que é o pai de D. João IV, o primeiro rei da última dinastia e oitavo duque de Bragança. Seguem-se três filhos de D. João IV, que foram todos duques de Bragança: D. Teodósio III que morre antes do pai, D. Afonso VI e D. Pedro II. A primeira duquesa de Bragança foi a filha deste último, Isabel Josefa, também aqui retratada. Mas porque é que no caixotão seguinte está um bebé? Porque só o número de duques era inferior ao número de espaços por preencher. Então ali surge João, príncipe do Brasil, que morre com 18 dias. “Depois sim, temos D. João V”, vai continuando Maria de Jesus Monge, antes de apontar outra “anomalia” – o retrato de outra criança, D. Maria Bárbara, filha de D. João V que, se foi rainha de Espanha, nunca foi duquesa de Bragança. Finalmente, D. José. “E sobram dois retratos”, também eles de figuras que, se não foram duques, foram essenciais para a Casa de Bragança – D. João I e D. Nuno Álvares Pereira. Ou seja, “o sangue real e o sangue divino na origem desta casa”.

Luzes, jardins e uma fotografia de grupo

Enquanto percorremos as salas do Andar Nobre sucedem-se frescos e azulejos, tetos em caixotões e pintados, lareiras em mármore e coleções impressionantes de pintura, escultura, mobiliário, tapeçaria, cerâmica e ourivesaria. Maria de Jesus Monge vai explicando como por aqui se mantém a iluminação original, para uma experiência imersiva, não havendo também aquecimento, até porque “não podemos acender as lareiras”.

Segredos do Paço Ducal nos 90 anos da Fundação Casa de Bragança 
© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Mas o palácio é também os seus jardins, bem diferentes dos do norte da Europa. “Aqui precisamos de sombra”, explica a diretora do Museu-Biblioteca da Casa de Bragança, antes de acrescentar que estes são também jardins mais sensoriais – que apelam aos sentidos, a começar pelo olfato, daí a presença dos citrinos, mas também a audição, com os passarinhos a cantar, a água a correr, e d paladar, porque aqueles frutos comiam-se.

Entrar nos quartos reais é entrar no íntimo dos nossos últimos reis. Nos aposentos de D. Carlos e de D. Amélia, onde o rei passou a sua última noite de vida ainda se podem ver alguns dos uniformes que lhe pertenceram. Numa parede, uma fotografia da visita a Vila Viçosa do rei de Espanha, Afonso XIII, sobrinho de D. Amélia, que aproveitara a proximidade do Paço da fronteira para vir até cá. “É uma fotografia muito engraçada porque ainda hoje, geralmente, o que acontece numa fotografia destas é que as pessoas mais importantes ficam no centro, mas aqui não. Parece que onde chegaram, ficaram. O rei de Espanha está escondido atrás do chapéu da D. Amélia!”

Atravessarmos uma sucessão de salas cujas paredes estão cobertas de pinturas, sobretudo de D. Carlos, e chegamos à capela, onde continua a celebrar-se missa, mas que também recebe concertos a partir do mês de abril. Salas de jantar, salas de música, uma sala para exposições temporárias e finalmente a cozinha, com os seus 600 utensílios em cobre. “Também por isto havia limões nos jardins, para limpar os cobres”, conta Maria de Jesus Monge, dizendo ainda que a cozinha tem a sua própria colónia de morcegos.

Segredos do Paço Ducal nos 90 anos da Fundação Casa de Bragança 
© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

São quase horas de almoço e hoje ficamos por aqui, voltando à praça e ao sol agora já bem alto e quente. Mas para quem decidir vir a Vila Viçosa refrescar a memória de uma muito provável visita com a escola tem muito mais para ver no palácio, desde a armaria à coleção de carruagens, com cerca de 70 viaturas, passando pela imensa biblioteca. Além de todo o restante patrimônio da Fundação Casa de Bragança.

Texto e fotos: Diários de Notícias

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