A cerca de 1h30 de Lisboa, os típicos sobreiros que conferem identidade ao Alentejo começam a aparecer no horizonte. Mas além dos belos campos verdes e dos vilarejos históricos perfeitamente preservados, outra coisa é cada vez mais comum no dia a dia alentejano: o vinho de talha.
Ele não é necessariamente uma novidade. Sua trajetória remete aos livros de história, à época em que os romanos conquistaram a Península Ibérica. Porém, sua produção vive um renascimento em vinícolas modernas nesta região ao sul de Portugal.
“É uma moda de dois mil anos”, brinca Pedro Ribeiro, enólogo e diretor da Herdade do Rocim. Situada entre as vilas de Vidigueira e Cuba, no Baixo Alentejo, a herdade é tida como a primeira vinícola moderna da região a produzir e a engarrafar o vinho de talha, lá em 2012.
Antes disso, o vinho de talha produzido nos vilarejos do Alentejo tinham um aspecto mais popular, tirado diretamente da ânfora da casa das pessoas e despejado em garrafões para consumo caseiro.
Com a retomada, o vinho de talha é comercializado hoje Portugal afora, parando até na mesa de restaurantes estrelados na Europa e nos Estados Unidos. Tal movimento faz parte de uma forma de diversificar o portfólio das vinícolas e de reviver a história alentejana.
A Cartuxa, por exemplo, conhecida pelo vinho Pêra-Manca, produz hoje vinho tinto e branco a partir de talhas recuperadas do século 19. A produção é bem menor quando comparada aos outros rótulos da adega, mas funciona como uma forma de imprimir identidade.
O que é um vinho de talha?
Uma talha nada mais do que é um grande pote de barro poroso destinado a fermentação do mosto vínico e ao seu armazenamento. E o vinho de talha é uma exclusividade do Alentejo: só são chamados vinhos de talha aqueles produzidos em talhas de barro nesta região portuguesa sob regras da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA).
Para obter tal título, o vinho precisa estar dentro da talha de barro em contato com a casca da uva pelo menos até o dia 11 de novembro, o Dia de São Martinho.
A data é uma celebração secular que culmina na prova do novo vinho e que até os dias atuais é regada a festas e cantos. Tome por exemplo a abertura das talhas na Herdade do Rocim em 2022: mais de 1.500 pessoas compareceram ao evento, com direito a música, festividade e, claro, muito vinho. Um evento similar está programado para este ano.
Como o próprio Pedro Ribeiro lembra, apenas Portugal e Geórgia tiveram produções ininterruptas de vinhos em ânforas ao longo do tempo. Na Geórgia, porém, os grandes recipientes recebem o nome de Qvevri, os quais são tipicamente enterrados no solo.
Características
Paulo Amaral, winemaker da José de Sousa, uma das mais antigas adegas alentejanas que produz vinho de talha, exemplifica que os vinhos de talha brancos podem ter aroma mais puxado para o avelã; já os tintos são caracterizados por especiarias e pelo barro.
Uma das principais características da talha é sua porosidade, o que facilita a oxigenação do vinho. Como tradicionalmente as uvas são colocadas no recipiente para fermentar com suas películas e partes sólidas, o contato do líquido com tais resíduos deixam o vinho com um caráter mais rústico e selvagem.
O consumo do vinho de talha, porém, tem público mais seleto. “É um produto de nicho. É um perfil de vinho que é tudo menos comercial. Ele não tem um lado aromático muito frutado já que possui um perfil mais mineral, seco, austero e rústico”, diz Pedro Ribeiro, da Herdade do Rocim.
E os preços podem ser um pouco mais elevados em comparação aos vinhos que passam por outros métodos. Na José de Sousa, as ânforas são abertas depois do dia de São Martinho, em que o vinho fica por mais tempo em contato com as massas: “Os preços são mais elevados porque desengaçamos à mão, pisamos a pé, enchemos a baldes, esvaziamos a baldes, tiramos as massas manualmente e ficam em estágio em ânfora e cascos de castanho (apenas o tinto) pelo menos 18 meses antes do engarrafamento”, explica Paulo Amaral.
Por: CNN