A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) recebeu, ontem, 10, o evento “Voando Mais Alto”, em Brasília (DF), promovido pela Société Internationale de Télécommunications Aéronautiques (Sita) com o apoio da International Aviation Womens Association (IAWA). O encontro reuniu mulheres representantes de entidades do setor aéreo para discutir questões de inclusão e diversidade na aviação.
O evento foi dividido em dois painéis, com foco em inclusão e liderança feminina. Representantes da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), ABR Aeroportos do Brasil, Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta), Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) e do Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) participaram das discussões.
Na abertura, a diretora da Anac, Mariana Altoé, destacou a importância do evento. “Estamos aqui hoje para tratar das experiências e das perspectivas individuais de vivências profissionais no setor aéreo, de olhar para o quanto avançamos sem perder de vista o quanto precisamos avançar, e do que precisamos fazer para que o nosso setor seja um setor respeitoso, inclusivo e de oportunidades iguais para todos”, reforçou Altoé.
A gerente de Relacionamento com a Indústria da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), Sofia Abreu, afirmou que o cenário está mudando e o setor aéreo está se diversificando. “A função do transporte aéreo é conectar pessoas de diferentes locais e culturas, e quem trabalha no setor precisa também ser diverso. Não basta a gente abrir as portas para as mulheres no setor, mas criar maneiras de que elas permaneçam. A gente tem que ter ações, mas essas ações devem ter continuidade. O nosso comprometimento é de que a cultura da empresa seja modificada”, ressaltou Sofia.
A chefe de Gabinete da Anac, Ana Benevides, moderou o evento e comentou sobre a importância de as mulheres participarem de espaços sociais informais, como jogar pôquer, que na maioria das vezes são ambientes masculinos: “São nesses espaços que as relações se estreitam, e a confiança aumenta. Não só em ambientes formais de trabalho. Nesses ambientes sociais, se criam laços de confiança, criam-se relações e se compartilham oportunidades.”.
No segundo painel, a chefe de Comunicação de Diversidade, Equidade e Inclusão e gerente sênior de Marketing da Sita, Cristiane Dart, compartilhou a história da criação do programa “Voando mais Alto”, destacando a conexão entre as histórias de mulheres na aviação: “A luta de mulheres deve ser uma luta de todas as pessoas.” Dart explicou que o programa começou com uma roda de conversa com 15 mulheres, e, até hoje, mais de 400 pessoas já participaram dos eventos. Dart também ressaltou: “Se não tiver inclusão, a gente não consegue progredir. A base da nossa pirâmide está avançando bem em números, equilíbrio e diversidade. Mas a gente tem muito a avançar na progressão de carreira, que é quase inexistente em várias partes da aviação. E essa progressão só vai avançar se a gente entender os motivos que contribuem para ela.” Durante o painel, ela apresentou dados da IAWA sobre como eventos negativos impactam a progressão na carreira de homens e mulheres, com maior impacto sobre as mulheres. Segundo a pesquisa, 74% das mulheres se sentem desconfortáveis em pedir um tempo, em comparação com 66% dos homens, e 55% das mulheres são chamadas de agressivas, em contraste com 38% dos homens.
A empresária Daliane Vanessa Princival, representante da Associação Nacional de Pilotos Agrícolas, compartilhou sua experiência pessoal ao longo do evento: “Sou órfã de pai e mãe e eu queria voar. Não tinha condições, não tinha onde morar nem o que comer. Comecei com 17 anos como auxiliar numa oficina de manutenção de aeronaves e fazia o curso teórico de piloto privado. Eu não consegui continuar, o que eu ganhava mal dava para comer. Eu consegui seguir na aviação, fui crescendo nessa empresa. Geralmente, eu ouvia de um chefe que eu não podia esperar muito além daquilo, porque eu não passaria daquilo. Eu fui bolsista do curso de mecânica pelo aeroclube do Paraná e consegui concluir. Depois dessa conclusão, fui para uma empresa de táxi-aéreo, onde profissionalmente foi meu “up” e consegui pagar uma faculdade particular com meu próprio trabalho. Hoje, estou na terceira graduação. Eu tento ajudar a incluir as pessoas, e eu vejo que é uma área que poderia ter mais atenção”.
A pilota de helicóptero Isabele relatou as barreiras para ingressar no mercado de trabalho: “Eu comecei a minha formação com quase 40 anos de idade, como pilota privada. Era o sonho de voar. Enquanto eu me formava, eu fui vendo muitas dificuldades. É possível se formar, o difícil é ter oportunidade de ingresso no mercado de trabalho. Se você não faz tudo numa mesma escola para em seguida ser instrutora, você praticamente fica fora do mercado”.
Talita, que também estava presente no evento, ressaltou a necessidade de incentivos para que empresas ofereçam mais oportunidades para mulheres: “Durante muito tempo, eu fui a única gestora de uma empresa no Aeroporto de Brasília de aviação executiva e não tinha nenhuma outra mulher. É um espaço de muita solidão e é muito bruto, porque você é desacreditada pelos outros e precisa adotar posturas muito firmes. É gratificante abrir vagas para mulheres e é importante, porque as pessoas que já estão ali nem imaginam que uma mulher possa ocupar aquelas posições. Essa imagem que a gente vem criando é importante”.
A diretora Mariana Altoé, ao final do evento, indicou que as políticas e ações de inclusão aceleram mudanças que poderiam levar mais anos para ocorrer de forma natural: “Se não tem tantas mulheres na aviação, é porque as mulheres não são incentivadas e nem se veem tanto nos cursos de engenharia, tecnologia e na aviação. Mudança cultural leva tempo, mas a gente precisa levar essas reflexões para as interações sociais. A gente não se retira dos espaços, mas se a gente não cuidar, as instituições e os espaços vão nos retirando dos espaços”.