Experiências

Guimarães na rota dos vinhos

Em volta de Guimarães, a pujança da indústria tem ofuscado as tradições agrícolas que resistem no concelho. Na verdade, metade da população no município vive em zonas rurais e o vinho nunca deixou de fazer parte da cultura local. As quintas da Rota do Enoturismo, região dos Vinhos Verdes, são uma boa forma de conhecer o território e as suas gentes, para lá do Castelo, do Paço dos Duques e do Centro Histórico.

A Quinta dos Encados, na década de 1990, o médico especialista em ginecologia e obstetrícia prometeu-lhe continuar a tarefa de fazer bons vinhos. “Na altura, o que percebia de vinhos era de os beber”, afirma divertido. “Mas não queria de forma nenhuma faltar à palavra dada.” A tarefa não era fácil, a quinta já tinha vinhos bem cotados. Correu bem, e a prova é que os prémios acumulam-se. O mais recente foi uma medalha de ouro no Concurso Mundial de Bruxelas, atribuída ao Grande Escolha 2021, produzido a partir das castas Arinto e Loureiro.

A propriedade, mais do que um negócio, é um prazer. Os visitantes que surgem de surpresa, “são sempre bem recebidos e convidados a visitar a vinha”, mas podem apanhá-lo em trabalhos, no meio do campo. O anfitrião gosta de partilhar o espaço que criou, e é por isso que no verão abre a enorme piscina – na verdade, um grande tanque de pedra – às crianças das escolas básicas das freguesias em volta. A Quinta dos Encados fica situada na encosta nascente da montanha da Penha, num lugar de onde não se avistam casas nem estradas. Recentemente ficou concluído o restauro de uma antiga casa de caseiro, dispondo de quatro quartos com enormes janelas abertas sobre a vinha. Por 120 euros a noite aluga-se uma das suites e, mediante negociação, é possível reservar a casa toda. Antes mesmo de entrar no circuito comercial, este recanto tem sido o refúgio de criação para músicos, realizadores e escritores.

Vinhos da Idade Média

A Quinta dos Encados é um bom exemplo de um novo produtor, os vinhos verdes da Casa de Sezim, por outro lado, são conhecidos desde a Idade Média. A primeira referência ao produto desta casa senhorial data de 1396. A propriedade está na mesma família desde aproximadamente a mesma altura. Com tantos séculos de história, José Paulo, o apontado entre os 11 irmãos para gerir o negócio, nunca tem falta de motivos para cativar os visitantes. Os grupos que recebe para provas de vinhos (50 euros por pessoa) são sempre pequenos, dez a 12 pessoas no máximo, “para que se possa conversar”. A prova é feita na varanda que corre toda a parte de trás da casa, com o rumorejar da água do tanque, que já foi de lavar roupa, em fundo. Quem optar por passar a noite pode ficar num dos quartos mais requisitados, com uma porta que abre diretamente sobre a referida varanda e deixar-se embalar pelo som da água, abafado pelo enorme caramanchão. É normalmente a escolha dos noivos que casam ali.

Os visitantes que chegam em grupos mais pequenos têm por vezes oportunidade de uma experiência ainda mais genuína. “Levo-os na minha pick-up e vamos ao campo”, conta José Paulo. Embrenhados nos 30 hectares de vinha, é mais fácil perceber a importância da exposição solar, da orientação das fileiras, da preservação da erva para reter humidade no solo, ou da importância da colheita manual em pequenas caixas. José Paulo fala de tudo isto com gosto e é possível cruzar-se com Paulo Mendes, o responsável pela vinha, que tem sempre as últimas novidades sobre o andamento das uvas. Em Sezim, as duas castas rainhas são o Loureiro e o Arinto. Contudo, o Sauvignon Blanc é imperdível. O colheita tardia é um prazer para os sentidos, desde o momento em que se abre a embalagem, decorada no interior com reproduções da maior coleção de papel de parede pintado à mão, que se encontra nas paredes da casa aristocrática. A garrafa é também um objeto cuidado, apelativo ao tato. O néctar convida a fins de tarde calmos, a acompanhar um queijo azul, junto à piscina.

A aquisição de garrafas tem sido um dos maiores problemas que os produtores de vinho enfrentam desde que os encargos com a energia fizeram subir os preços do vidro. “Além do custo ter aumentado, em alguns casos 50%, há referências que simplesmente desapareceram”, queixa-se Bernardo Brito, responsável pela Quinta da Aveleira, em Penselo. Há uns anos, este produtor arriscou com uma garrafa magnum de formato invulgar, larga no fundo e a estreitar até ao gargalo, a lembrar um sino, para o seu branco Valle dos Três Irmãos. “Foi uma aposta ganha, mercados como o algarvio aceitaram muito bem. O problema é que, neste momento, embora pareça absurdo, a garrafa vale mais que o vinho.”

A Quinta da Aveleira está na família Brito há 25 anos, embora as primeiras referências à propriedade remontem ao século XIV. Esta é uma daquelas casas em que as pedras da capela, que se vê logo à entrada, do arco sobre o portão ou da escadaria frontal parecem ter histórias para contar. “Os japoneses adoram um recanto do jardim, a sombra fresca de umas antigas camélias. É ali que querem fazer as provas. Também admiram muito o facto de verem as carreiras entre as videiras cheias de erva e apreciam quando lhes explicamos que não usamos herbicidas, que nos limitamos a triturar a matéria verde que fica na terra e a formar composto. É uma cultura que valoriza a ligação à natureza”, conta Bernardo Brito. “Para os brasileiros é tudo novo, gostam até de ver o trator. Já os franceses discutem pormenores técnicos e querem saber porque fazemos de uma ou de outra maneira.”

Bernardo Brito, da Quinta da Aveleira. (Fotografia de Miguel Pereira/GI)

Bernardo Brito preservou algumas ramadas de Vinhão e Espadeiro: “São bonitas e ajudam a explicar a evolução da vinha na região a quem nos visita”. Quando a família tomou conta da propriedade, no final do século passado, as vinhas eram todas em altura, em ramadas ou em bordadura, como era comum no Minho. Os terrenos eram usados para outras culturas como a batata, o milho ou o linho.

Das castas tintas tradicionais fazem-se bons vinhos modernos

Quando a vinha começou a ser reconvertida, depois da entrada de Portugal na CEE (agora UE), a partir do final da década de 1980, as castas tintas que até aí eram predominantes no Minho praticamente desapareceram. Atualmente, a Região Demarcada dos Vinhos Verdes é conhecida quase exclusivamente pelos seus brancos e mais recentemente pelos rosés. Na Quinta da Cancela, Artur Carvalho foi contra a corrente e no seu portefólio a única exceção aos tintos é um rosé, feito com 95% de Syrah e 5% de Vinhão. “O meu avô disse-me, quando andava toda a gente a arrancar as castas tintas autóctones, que ainda viriam a ter saudades delas. Parece-me que tinha razão.”

Artur Carvalho é licenciado em gestão e trabalhou numa multinacional, mas a certa altura “percebi que não tinha tempo para gastar o dinheiro que ganhava”. Decidiu, por isso, voltar às origens e dar continuidade à quinta, instalada em 1720, e que o seu trisavó comprou em 1825. Manteve-se fiel aos conhecimentos que o avô lhe passou, nos últimos anos já sentado no banco do alpendre de sequeiro da casa de lavoura, mas sempre de olho no maneio das uvas.

“A ideia foi encontrar um modo de vida mais calmo, mas também criar um modelo de negócio que permita passar este legado à próxima geração sem que isso represente um peso para eles”, afirma o viticultor, apoiado nas pedras do lagar onde se fermentam as uvas tintas há 300 anos. Para marcar esta passagem de testemunho, a marca comercial da quinta é HEMJ, “a partir dos nomes das minhas filhas, Henriqueta e Maria Júlia, que também são os nomes das minhas avó e bisavó”.

Quinta da Cancela (Fotografia de Miguel Pereira/GI)

Ficar nesta casa é entrar no universo desta família de viticultores. No pátio da casa cruzam-se os hóspedes e os trabalhadores que no dia-a-dia maneiam as vinhas. A Casa das Bonecas, antigamente um alojamento de caseiros, parece, como o nome indica, tirada de um conto infantil. No espaço muito pequeno de uma casa de pedra encaixam-se dois quartos, uma casa de banho completa e uma cozinha com o essencial. Para os mais novos, o atrativo será dormir no sótão, a que se chega por uma escada apertada de madeira, uma espécie de esconderijo onde os adultos não chegam, até porque não cabem na porta.

Quem optar por um jantar vínico (45 euros por pessoa) vai poder comer, por exemplo, um frango do campo estufado pelo próprio Artur Carvalho. Além dos sabores tradicionais do Minho, deve preparar-se para enfrentar propostas mais ousadas, “para desmistificar a ideia de que o tinto verde é só para comer rojões. Vai muito bem, por exemplo, com uma mousse de chocolate”. Ao pequeno-almoço, as compotas feitas com fruta das árvores que pontuam o terreno são imperdíveis.

A Quinta da Cancela situa-se em São Lourenço de Sande, no extremo do concelho de Guimarães, já muito próxima de Braga, sendo por isso um bom ponto de apoio para explorar os atrativos turísticos das duas cidades. É isso que têm feito os visitantes de mais de 60 países que já passaram por ali e que garantem excelente classificação nas críticas online.

Quinta da Pousada de Fora (Fotografia de Miguel Pereira/GI)

Mais perto de Guimarães, aliás tão próximo que, para os mais atléticos, é possível chegar lá numa caminhada de 20 minutos, fica a Quinta da Pousada de Fora. Uma propriedade que se sabe existir, desde 1258 e que poderá ter pertencido a um filho do nosso primeiro rei. Restam por ali vestígios de uma casa fortificada e de uma torre de menagem que serviria para garantir segurança aos agricultores que cultivavam aquele vale fértil. A produção vinícola, atualmente, é feita a partir de vinhas novas, Loureiro e Arinto, plantadas a partir de 2014.

Aqui deve deitar-se para trás das costas o que se pensa que se sabe sobre vinho verde: que devem ser bebidos no ano, que não ganham com o tempo na garrafa, que têm gás e pouco grau alcoólico. O melhor será provar um Loureiro monocasta, com 14,2 graus, no limite para o que é aceite como vinho verde, ou o premiado espumante Pousada de Fora Arinto/Loureiro. O alpendre, junto à eira, é um bom local para a prova, mas se for no verão, a piscina, construída entre dois dos penedos que afloram pelo terreno e é alimentada com água de uma mina, também é uma boa opção. Em qualquer dos casos, não é de dispensar a compota de tangerina, feita pela mãe do anfitrião, Rui Guimarães, com fruta da quinta.

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